Joel Barroso, de 38 anos, assumiu a prefeitura de Santa Quitéria com uma vitória esmagadora — mas sob a sombra de um passado que ninguém quer esquecer. Eleito prefeito em eleição suplementar realizada no domingo, 26 de outubro de 2024, com 12.902 votos válidos (53,1%), o novo gestor é filho de José Braga Barroso, conhecido como "Braguinha", cujo mandato foi cassado em setembro por abuso de poder político e econômico, comprovadamente ligado à facção criminosa Comando Vermelho. A vitória não foi apenas uma escolha dos eleitores. Foi um teste: a população aceitaria o mesmo poder, só com outro nome?
Joel Barroso, que já era vice-prefeito, assumiu interinamente em 15 de setembro, conforme a Resolução TSE nº 23.607/2019. Mas não houve ruptura. Os mesmos vereadores — como Francisco das Chagas Silva e Maria de Fátima Rocha — permaneceram ao seu lado. Os mesmos líderes comunitários, os mesmos pontos de distribuição de cestas básicas. A máquina não foi desmontada. Foi apenas trocada de dono.
"Nunca vi algo assim em uma eleição municipal no interior do Ceará", disse um policial que atuou no operação, sob anonimato. "Era como se o crime organizado estivesse de olho em cada urna. Não só para interferir — mas para ver se alguém tentaria interferir neles."
Os dados são assustadores. Em 2021, o CV instalou em Santa Quitéria o núcleo "CV no Sertão", liderado por Antônio Carlos Ferreira da Silva, preso em março de 2023. Mas a influência não morreu com a prisão. A estrutura de intimidação, os pontos de distribuição de dinheiro e a rede de controle sobre os programas sociais permaneceram. Joel Barroso não precisou criar um novo aparato. Apenas herdou um já funcionando.
Paralelamente, o Ministério Público do Ceará mantém inquérito nº 24.0012345-6, com prazo final em 30 de junho de 2025, para apurar se Joel participou ativamente da campanha ilegal do pai. Ainda não há indícios concretos de sua participação direta — mas a herança política é tão forte que a dúvida persiste. "Se ele não ordenou, sabe o que aconteceu. E isso já é suficiente para questionar sua legitimidade", afirma um procurador envolvido no caso.
Se Joel Barroso governar bem, será visto como um renascimento. Se governar mal, será visto como a confirmação de que o poder em Santa Quitéria sempre foi o mesmo — só mudou de nome. A população já sabe: não escolheu entre dois candidatos. Escolheu entre dois nomes da mesma família. E isso, talvez, seja o mais assustador de tudo.
A eleição foi suplementar porque a cassação do prefeito eleito, José Braga Barroso, ocorreu antes de completados seis meses de seu mandato, conforme o artigo 224 do Código Eleitoral. Nesse caso, a lei determina que o substituto assuma o restante do mandato original, e não que se realize uma nova eleição completa. Por isso, o processo foi acelerado e limitado aos eleitores de Santa Quitéria, sem a necessidade de novas candidaturas para vice ou vereadores.
O CV expandiu sua atuação para o interior do Nordeste desde 2016, aproveitando a fragilidade das estruturas de segurança e a dependência de programas sociais. Em Santa Quitéria, o núcleo "CV no Sertão" foi estruturado em 2021 por Antônio Carlos Ferreira da Silva, que usou a rede de influência do ex-prefeito Braguinha para se estabelecer. A facção ofereceu proteção a comerciantes locais em troca de financiamento e controle sobre pontos de distribuição de dinheiro e cestas básicas — criando uma economia paralela que se entrelaçou com a política.
Até agora, não há provas diretas de que Joel participou das operações de compra de votos ou intimidação. Mas o Ministério Público investiga se ele se beneficiou da estrutura criminosa herdada — e isso já é suficiente para levantar dúvidas éticas. Ainda que não tenha cometido crimes, sua eleição foi possível apenas porque o sistema montado pelo pai ainda estava intacto. A legitimidade dele está ligada à percepção da população: ele é o filho do corrupto, ou o único que pode mudar a situação?
As chances são altas se houver qualquer indício de repetição das mesmas práticas. O TCE-CE já impôs auditorias trimestrais, e o Ministério Público mantém o inquérito até junho de 2025. Se for comprovado que ele usou recursos ilícitos, programas sociais para comprar apoio ou manteve vínculos com o CV, a cassação será iminente. O sistema de vigilância agora é mais rígido — e a população está mais atenta.
Muitos eleitores não tinham alternativas reais. Os outros candidatos eram vistos como distantes ou sem estrutura. Joel, mesmo sendo o filho do cassado, mantinha o apoio das mesmas redes sociais e comunitárias que garantiam a sobrevivência de famílias carentes. Para muitos, votar nele era a única forma de garantir que os benefícios não fossem cortados. É uma escolha feita na sobrevivência, não na esperança de mudança.
Nada, ainda. A estrutura política permanece a mesma: os mesmos vereadores, os mesmos líderes comunitários, os mesmos pontos de distribuição. O que mudou foi o nome na porta da prefeitura. A verdadeira mudança só virá se houver ruptura real — demissões, investigações, novas contratações. Até lá, Santa Quitéria continua sendo um espelho do que acontece em muitos municípios brasileiros: o crime organizado não precisa governar. Basta que o governo seja dele.
Rayane Martins
outubro 29, 2025 AT 12:06Isso aqui é o Brasil em miniatura. Não importa quem está no cargo, se o sistema é o mesmo. Eles só trocaram o rosto da máscara.
Quem acha que isso vai mudar está sonhando.
Esse povo votou por medo, não por esperança.